terça-feira, fevereiro 19, 2013

Voltas à cabeça

2 da manhã… A cidade pena em escurecer, o ar arrefece mas o silêncio tarda a chegar. As luzes dos carros ilumina as faixas que se mantêm firmes no seu filamento. Estou sentado no meu canto de cimento. A janela permite-me espreitar os movimentos no chão. Gosto de ver o colorido das luzes dos edifícios em torno do meu. No ar pus a tocar um som de saxofone em modo downtempo. A cabeça não para de pensar no caso por resolver. Enquanto o ar enche-se de fumo, continuo sem desenrolar o fio do meu novelo. Que caso estranho. Uma mulher na casa dos trinta com tudo para ser feliz acaba no passeio do bairro mais mal afamado desta cidade. Já ninguém acredita em heróis. Ninguém quer saber das desgraças dos outros. É só mais um corpo. Pena ter sido este preciso corpo. A mulher tinha apenas acabado de completar os seus 30 anos, tinha um trabalho de sonho como buyer de moda para uma casa de pronto-a-vestir de renome. Um trabalho duro que ditava o lucro ou não da empresa. Um trabalho que não era para qualquer um e que de modo algum alguém se atreveria a invejar. O salário era bom. O marido melhor ainda. O único filhote com 5 meses… Não tinha sido assalto. Estava tudo intacto em seu torno. Não tinha sido violento. Não tinha sido atropelamento. Não tinha, não tinha… lá estava ela no seu leito junto do passeio da rua mais mal frequentada. A quilómetros da sua casa. O carro continuava em casa. Não havia estação de metro por perto e os taxistas não frequentavam estes lugares… O saxofone dá voltas e voltas, estremece e ensurdece o ar á minha volta. O fumo do meu cigarro contribui para nublar os meus já confusos pensamentos… Sem marcas nem expressão de flagelo encontrei-a no seu leito junto do passeio. Na mão tinha um livro. A Metamorfose de Kafka. Na sua bolsa a carteira tinha todos os documentos, dinheiro. Não encontrei nenhum artigo de cosmética que me deixasse perceber se iria se encontrar com alguém, pelo contrário. Tudo indicava uma tarde de descanso afundada num sofá a ler o seu livrinho. Só faltava aqui era o pijama e um chazinho… Sem modas nem marcas. Sem perfume nem arranjo especial. Parecia adormecida não fosse o facto de se encontrar ali no meio da rua… 3 da manhã... O saxofone deu lugar ao baixo e à bateria. Uma voz feminina demonstra paz e serenidade, enquanto fala de amores mal entendidos, da dor de desamar. Da pele que não aquece junto dos braços pretendidos. Será que era amada? Seria isto o resultado de mais um desentendimento que tão mal fazem aos casais desta cidade? Neste bairro nada me surpreende mais. Os gritos vindos das casas são uma constante. Quase tão constante como as luzes dos veículos que me ofuscam as imagens de vez em quando. Cidade suja e pecadora. Aqui vende-se o corpo por amor à cidade. Aqui a cidade manda nas almas. Exige-lhes a pele sobre os ossos. Esta cidade pede sangue e pede-o constantemente. Os seus cantos mais refundidos anseiam pelo medo. Por vezes algumas ruas passam a ter donos, mas é só fogo de vista. Nesta cidade ninguém manda, Ela é que manda em nós. Implacavelmente. Se quisermos chegar a um acordo com ela, ela suga-nos no seu vácuo. Se tentarmos defender-nos com a violência, ela cega-nos com as suas garras. A cidade não nos deixa em paz por um segundo. Tudo o que sei é que sobrou para esta pobre mulher. Quem és tu cidade para decidir cegamente quem deve e não deve morrer? Não pensas que há gente que poderia estar atrás das tuas grades e que continua à solta, ao sabor do vento? Será isto que te agrada cidade velha? Saber que no fundo o vento é aquilo que mais te dá prazer? Será que se formos todos a favor de vaguear por este mundo sem rumo te tornas mais afável? Agrada-te esta inconstância? Que passemos por ti vezes sem fim? Sem ficar nem regressar tão cedo? Queres-nos feitos nómadas, ó velha cidade? Desamo-te se é isso que desejas…

segunda-feira, fevereiro 18, 2013

Olhei em frente e enchi os pulmões de ar. Repeti o movimento de inspirar fundo e jogar tudo fora. Podia ser que saísse alguma coisa mais. Não saiu. Infelizmente por mais que uma pessoa inspire e expire, o que nos corrói fica agarrado ás paredes dos pulmões como se não houvesse amanhã. Resolvi então acender um cigarro. Se não morres pela saúde, que seja pela pior das vontades. Tirei um destes soldados brancos do maço e encostei-o ao canto da boca. Cheguei aos bolsos das calças e tirei o isqueiro. Inclinei a cabeça, cerrei um dos olhos e juntei as mãos em torno do isqueiro, não fosse a vida querer pregar-lhe uma partida. Assim protegido fi-lo funcionar. À terceira tentativa lá consegui ver a chama. Assim protegida pelas minhas mãos, inclinei a cabeça, cerrei um dos olhos e aproximei-a do meu soldadinho, qual cowboy na sua pradaria de veludo… Acendi-o e puxei por ele. Assim fechei o segundo olho enquanto olhava em torno do meu interior. Cá fora o ar matinal fazia-se duro de integrar, mas quem inspirou por ele tantas vezes não se deixa intimidar. Sobretudo que agora tenho a companhia do meu soldado incandescente. Assim com os olhos fechados, sonhava com a minha pradaria de veludo, com o sol a aquecer-me o coração. Foi de pouca dura a pradaria mas bastam uns segundos para conseguirmos estar noutro lugar. Quando fechamos os olhos, a realidade deixa de ser o nosso porto de abrigo. E é então que a vida corre-nos de feição. O mundo cruza o azul do céu com o calor da nossa alma. E bastam para isso poucos décimos de segundo. É bom. Pode acontecer em qualquer lado. Pode ser entre duas linhas de leitura, um parágrafo de escrita. Meio minuto e já lá estamos. Numa praia da América do sul ou num deserto africano. Num, campo sem fim á vista ou no dorso de um cavalo a cavalgar por um caminho sinuoso… Abri os olhos e voltei á terra. À minha volta tudo parecia tão denso, insensível e implacável. Tudo era de cinza e duro e áspero. Cortante. Afiado. De tremer por dentro. Mas eu não. Não tremo nem vacilo. Estou cá para as curvas. Eu e o meu soldadinho no canto da boca. Eu e o meu esgar noutra realidade. Eu e a minha pradaria de veludo. Sei que não é aquele o meu mundo. É apenas uma fantasia. Mas a verdade é que, de olhos abertos, chego muitas vezes à conclusão que este também não é o meu mundo. Este lugar não me aquece nem me arrefece. Não me traz brilho nem me faz vibrar. Mas também não me assusta. Estamos cá para as curvas o meu soldadinho e eu. Venha quem vier. Qualquer coisa e fecho os olhos…

Name Tag

Clídio - Cli para os amigos - entra no autocarro com destino ao trabalho. O seu nome é Euclídio mas ele detesta usá-lo desta forma. Detesta o seu nome de batismo como se da vida dependesse. Então fica Clídio. O autocarro está cheio de caras sem nome, sem expressões de valor. Caras mudas e pobres de espírito. Qualquer uma destas caras tem um nome melhor que o meu, pensa ele para os seus botões. Um nome de gente normal. Gente que vai ao café e ao banco e que se chama simplesmente Manuel ou Joaquim ou Maria ou Paula. Gente que não se pesa pela denúncia de um nome que o tempo já esqueceu. Nome de século XIX, de soldado da primeira guerra – Euclidio Tomar morreu na batalha de Verdun”, de trajeto espacial dos anos sessenta – O caminho das estrelas é Euclídio, nome de anúncio publicitário retro, com as vozes bem colocadas Euclídio lava os dentes com a pasta Clinim… Até o condutor do autocarro, com mais 30 anos que ele, deve chamar-se qualquer coisa como Manuel Normal Martins e não Euclídio Munar… Hoje o autocarro ainda não arrancou. Continua gente a entrar. Teve sorte o Clídio, conseguiu um lugar sentado na penúltima fila, aquela em que as pessoas de idade não se atrevem a tentar chegar, com medo que a máquina arranque a meio do trajeto por um lugar sentado. Qualquer abanico e estaria o caldo entornado. Desta feita é mais fácil aguentar um pouco agarrado aos corrimões enquanto se espera por uma alma que se digne a ceder o seu lugar. Clídio conhece-os como ninguém. Cruza-se com eles ao sair de casa. Vê-os nos transportes públicos. Nos bancos de jardim. Mais tarde irá lidar com eles no lugar onde trabalha. Conhece-lhes as manhas e as necessidades. Gosta dos seus gestos lentos. Sente pena das suas angústias. Inveja-lhes a facilidade como se desprendem do mundo, para um mundo só deles. Por vezes até se ri das suas teimosias, da forma como alguns vêem a vida e criam um cenário cheio de certezas. No lar onde trabalha, os idosos recebem-no com cortesia. Alguns chegam mesmo a apreciar a sua pessoa. O modo como vai ao encontro aos seus estados de espírito, sempre com alegria, agrada-lhes. Nem tudo são rosas, e por vezes tem de assumir uma postura mais firme, no entanto acaba sempre por conseguir um bom entendimento, mesmo que leve com algum resmungar… Ironicamente, quando se diz que a primeira impressão é a mais forte, é precisamente aquando das apresentações que o Clídio sabe que tem a vantagem em relação aos outros… Bom dia e bem-vindo à sua casa nova. Aqui estamos todos disponíveis para ajudar a sua adaptação. Vai correr tudo bem… É aqui que vai ficar… E qual o seu nome meu rapaz? Bem, o meu nome é Euclidio, mas pode tratar-me por Clídio… Euclídio? Sim Euclídio. Euclídio Munar… Esse nome não é do seu tempo meu rapaz… (risos)

domingo, fevereiro 17, 2013

barreira da luz

Correr, correr, correr. Espernear. dar pontapés e mexer os braços. Respirar a alta velocidade. Amar sem nexo. Bater as asas. Prego a fundo. Fumar, beber e ir de contra mão. Prego a fundo. Velocidade. Saltar de um planalto. Levar tudo ao limite da dor. Atingir o máximo. Cair e levantar. Correr. Correr e seguir em frente. Embater nos muros e derrubá-los em seguida. Conhecer toda a gente. Falar, tocar, entrar em todos. Não falar apenas mas dizer aquilo que interessa. Falar com interesse e inteligência. Tocar, tocar, tocar. Tocar nas almas. Tocar nos corações. Tocar a ritmo desenfreado. Tocar e aplaudir quem toca. Escrever e ler. Escrever mais do que ler. Tocar mais do que ouvir. Tocar com o volume no máximo. Correr mais do que ver. Falar mais do que perder. Matar quem perde tempo. Matar na nossa alma. Não dormir. Não descansar. Não vergar. Não baixar nunca a cabeça perante a falta de vida. Não ver tv. Não jogar com a vida. Nem jogar com os joguinhos da treta. Não postar para inglês ver. Não consumir lixo nem vício. Não aplaudir aquilo que nos tentam vender. Não falar disso sequer. Não viver a vida dos outros. Não estupidificar. Não viver das opiniões dos outros. Não emparvecer. Correr. Correr com a ignorância. Correr e viajar. Viajar pelo mundo. Vaguear. Ser-se vagabundo. Viajar nos livros. Ser-se ladrão. Espernear. Bater os pés e fazer barulho. Muito barulho. Rasgar e partir. Sair de si. Sair e voar. Voar a alta velocidade. Ser e querer ser mais e mais e mais. É isso filhote. É isso…

Movimento aparente

Ligou o pc para passar mais umas horas frente ao ecrã. Jogou, jogou e jogou mais umas horas. Mais umas horas a somar às anteriores, enquanto o sol se punha e voltava a nascer. Dias de prazer frente a um ecrã. Horas infindáveis de falta de sono, por momentos singulares de uma felicidade que torna o vazio mais suportável. Um gosto que não se consegue partilhar sem estragar o apetite da vitória, quando contada aos outros. Do outro lado do edifício um homem amava. O sol pôs-se lentamente mas tornou a subir, como se da vida dependesse. O homem que amava suspirou de pena, pela passagem do tempo não lhe dar tréguas. Provavelmente tinha de despachar-se para que a sua mulher não desconfiasse, para que o seu mundo se mantivesse intacto. O prazer dele depende da felicidade de não haver marcas do que foi. Teve pena que o sol nascesse tão rápido. No final da rua um homem chora. Ele precisa de atenção. O sol não se põe. O sol tarda a nascer. O tempo não passa. O choro do homem não passa pelo tempo. A imensidão confunde-o. Frustra-lhe a vida. Ele sabe que tem o que tem e porque assim o é. Criou este mundo em que vive devagar demais. Os sons alheios vão alimentar o seu desespero. Por aqui ficamos acordados até muito, muito tarde… A mulher do edifício oposto está feliz. O seu dia está a começar. É o seu dia. Nasceu algures no tempo para trás, num momento igual a este. Espera ansiosamente pelos contactos dos outros. Espera olhando para o telefone. Ligou o pc logo pela manhã. Busca contactos também ela. Busca gratidão por existir. O sol hoje é para ela. Tudo gira em seu torno. Em torno do sol, em torno do dia, em torno do torno, o movimento dos astros que se alinharam na sua presença neste dia… A padaria já abriu. Tem o sol á sua beira, junto do mar. Um privilégio ver –se o mar a partir do balcão da padaria. Um luxo poder assistir-se á presença rotativa do sol. A menina não quer saber. Espera a sua vez. Rói as unhas com o desespero de ali se encontrar. Não pediu nada disto. Só quer comprar o maldito do pão e ir á sua vida. Enquanto espera vira-se e olha o mar ao fundo. O sol levanta-se como se de nada fosse. Não espera por ela nem pelo pão. O sol quer lá saber do pão, nem da menina, nem da padaria. Nem do pc nem do homem que chora já agora. O sol não se mexe, quem se mexe somos nós. E nem isso fazemos. Fazemos que façam tudo por nós. O nosso movimento é igual ao do sol. É aparente. Não fazemos mais amor, nem corremos atrás do tempo. Deixamos que o façam por nós. Faz-se tudo por nós. Faz-se a comida e faz-se a dormida. Choram na televisão por nós. Tomam as nossas decisões enquanto o dia passa pelo sol. Ganham os nossos prémios, escolhem e moldam os nossos desejos. Fodem por nós na internet. Nós olhamos e olhámos. Sonhamos que os momentos são nossos. Fazem parte do nosso crescimento. São parte da nossa vida. Aquela vida estatalada no sofá. O nosso prazer é visual. O nosso cérebro é letárgico. Passamos horas num sentido perdido, nas imagens efémeras dos outros, para depois ir dormir com a certeza de um dia bem passado. Um dia bem passado… até dá vontade de rir. Um dia houveram mercenários que jorravam sangue verdadeiro. Um dia as crianças choravam quando caiam ou quando não se queriam levantar. Alguns, para poder amar, passaram horas de espera atrás de uma árvore, num chão qualquer de rua, ou ansiavam em torno de uma esperança que durava dias e dias, voltas e voltas na cama, suspiros e desesperos genuínos. Houve gente que gritou por uma liberdade reprimida. Houve gente que se atirou de uma ponte por um ideal. De vez em quando vê-se gente que sai de casa para correr. Correr atrás do tempo. De vez em quando alguém manda o sistema á fava e entra no negrume da consciência. Quando se é apanhado, é a adrenalina a resolver o problema. A adrenalina é algo de raro nos dias que correm… e como correm os dias de hoje. A vida é aparente, tal como o movimento do sol.

imagina o som do vento enquanto lês isto.

O som do vento que passa pelo deserto... Olá caro leitor. Faz já alguns anos que não te escrevo, caro blog. Os anos fazem da gente gente sem gente, calores sem calafrios, o tempo passa e trepassa-nos como um gume sem rosto no vazio da nossa mente. Tudo nos passa pelo cérebro, tudo nos queima a pele. o bom e o mau. tenho dias de ansiedade pelo tempo que não regressa mais. Tenho alegria pelo tempo aproveitado, tempo tempo tempo. é o vento que me acolhe neste mundo, e é ele que me levará no fim. sinto vazio hoje. o mesmo vazio que amanhã me satisfaz. sinto o pouco valor dos meus pensamentos. sinto o immenso orgulho de ter pensamentos... hoje estou bem, mas amanhã não faço ideia. exatamente igual, sentimento inverso. É do inverso que nasce o meu sorriso, do caos que me orgulho da pertença... fuckin hell. Preciso de uma corona...