segunda-feira, fevereiro 18, 2013
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Clídio - Cli para os amigos - entra no autocarro com destino ao trabalho. O seu nome é Euclídio mas ele detesta usá-lo desta forma. Detesta o seu nome de batismo como se da vida dependesse. Então fica Clídio. O autocarro está cheio de caras sem nome, sem expressões de valor. Caras mudas e pobres de espírito. Qualquer uma destas caras tem um nome melhor que o meu, pensa ele para os seus botões. Um nome de gente normal. Gente que vai ao café e ao banco e que se chama simplesmente Manuel ou Joaquim ou Maria ou Paula. Gente que não se pesa pela denúncia de um nome que o tempo já esqueceu. Nome de século XIX, de soldado da primeira guerra – Euclidio Tomar morreu na batalha de Verdun”, de trajeto espacial dos anos sessenta – O caminho das estrelas é Euclídio, nome de anúncio publicitário retro, com as vozes bem colocadas Euclídio lava os dentes com a pasta Clinim… Até o condutor do autocarro, com mais 30 anos que ele, deve chamar-se qualquer coisa como Manuel Normal Martins e não Euclídio Munar… Hoje o autocarro ainda não arrancou. Continua gente a entrar. Teve sorte o Clídio, conseguiu um lugar sentado na penúltima fila, aquela em que as pessoas de idade não se atrevem a tentar chegar, com medo que a máquina arranque a meio do trajeto por um lugar sentado. Qualquer abanico e estaria o caldo entornado. Desta feita é mais fácil aguentar um pouco agarrado aos corrimões enquanto se espera por uma alma que se digne a ceder o seu lugar. Clídio conhece-os como ninguém. Cruza-se com eles ao sair de casa. Vê-os nos transportes públicos. Nos bancos de jardim. Mais tarde irá lidar com eles no lugar onde trabalha. Conhece-lhes as manhas e as necessidades. Gosta dos seus gestos lentos. Sente pena das suas angústias. Inveja-lhes a facilidade como se desprendem do mundo, para um mundo só deles. Por vezes até se ri das suas teimosias, da forma como alguns vêem a vida e criam um cenário cheio de certezas. No lar onde trabalha, os idosos recebem-no com cortesia. Alguns chegam mesmo a apreciar a sua pessoa. O modo como vai ao encontro aos seus estados de espírito, sempre com alegria, agrada-lhes. Nem tudo são rosas, e por vezes tem de assumir uma postura mais firme, no entanto acaba sempre por conseguir um bom entendimento, mesmo que leve com algum resmungar… Ironicamente, quando se diz que a primeira impressão é a mais forte, é precisamente aquando das apresentações que o Clídio sabe que tem a vantagem em relação aos outros… Bom dia e bem-vindo à sua casa nova. Aqui estamos todos disponíveis para ajudar a sua adaptação. Vai correr tudo bem… É aqui que vai ficar… E qual o seu nome meu rapaz? Bem, o meu nome é Euclidio, mas pode tratar-me por Clídio… Euclídio? Sim Euclídio. Euclídio Munar… Esse nome não é do seu tempo meu rapaz…
(risos)