terça-feira, abril 22, 2014
lusco ou fusco
Dizer boêmio é a mesma coisa. Ou dizerem-me que sou quem sou, sempre com os olhos fixados na presa, sendo que os olhos são deles mas a representação é da minha pessoa. Vagueio e espreito o aqui e o ali, ao som do ar e ao cheiro das várias cores que estas ruelas vão tecendo ao longo das suas calçadas, poças sujas e ventos cortantes, alguns corredores de mar que por cá vão surgindo. No meu torno são as cores que refletidas no escuro do céu, prestam-se a outros tons, que o dia não permite. Ou então é o céu que resulta destas misturas. Por sua vez assemelha-se a um cocktail lusco-fusco mas onde o prazer vem da inquietação e do silêncio da noite, mesmo se este último acaba por nos embalar, num misto de paz e sossego no desconhecido. Não consigo parar noite após noite, ando e ando e vagueio e vislumbro o lado negro do escuro. Por vezes cruzo-me com o princípio do fim, num encontro menos fortuito para mim. Se vejo algo que não devo só eu o saberei. Só cá está quem fica. Vejo toda a gente que não quer ser vista. Conheço-vos a todos e sei tudo sobre as vossas segundas caras, aquelas que nem as metades das vossas imaginam. Sei o que fazes, sei por onde andas. Vejo tudo. Mais cedo ou mais tarde acabam por entrar no meu terreno de jogo. Muitas vezes mando eu nestas versões do dia. Outras vezes espero que a mão venha do meu lado. Há muitos como eu. Alguns respiram na margem do meu espaço, outros sanguessugam enquanto podem, uns abutram os restos, não sem antes testar o terreno. Há quem provoque, há quem deslize, há quem peça mais que tudo, e há quem o dê por quase nada. É assim que evoluem os sentidos nestes caminhos e lugares assombreados e assombrados pelo quase nada que acaba por se transformar em dia.
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