terça-feira, fevereiro 04, 2014

Quando o calor aperta



A música é lânguida. Arrasta-se como se tivesse uma corrente presa nos pés, cadeados de ferro a sulcar o chão. O ar quente sufoca-me e deixa-me mais lento ainda. O ritmo hoje também abranda os corpos que passam por mim. Hoje quem tem ódios teve mesmo de pô-los de lado, afim de sobreviver a este dia. Está demasiado calor para a guerra. Hoje quem tem amor deve abrandar o ritmo. O calor tem destas coisas. Amena o bem e o mal. A música recusa-se a ultrapassar os limites da temperatura. Até ela sente o peso de um dia destes. Quase se podia dizer que a paz chega com o bater do sol por altura da uma hora da tarde…
Nas ruas não se vê vivalma. Corredores e corredores de calçada, sinuosos traços de chão que não se querem pisar.
Mais abaixo um abrir de terra mostra-nos a terra seca e queimada. Cenário este que mais parece saído de um filme do oeste americano, não fosse a presença resistente de um carvalho despido de verdura, mas mesmo assim imponente e fatalmente discordante da ideia de deserto manipulador e implacável. Cá está ele, bem no meio do nosso abrir de terra, a dizer-nos que nada o assusta, nem mesmo o ritmo da música ou o peso do calor.


Nada o derruba, nada o assusta, ergue-se imenso e imponente, pleno no seu domínio.
O ar continua a sufocar-me. De olhos semicerrados, observo aquela que é a minha película pessoal, o meu filme privativo. Tudo porque, para lá das ruas sinuosas, para lá do abrir de chão onde reina o imponente carvalho, para lá da música e do calor, para lá de tudo isto encontra-se o começar de uma hacienda. A propriedade encontra-se encerrada, as portas protegem-na tudo o que lhe é exterior, com a sua fronte silenciosa e liberta de sentimentos.O edifício principal impõe respeito a quem passa. A sua massa branca olha-nos do alto como quem aguarda-se para dar a sentença final.

É o tempo que passa a fugir. É o vento que o segue a toda a velocidade. É o mar que apazigua e que nos deixa esquecer que o tempo já foi.
Dentro do edifício principal, Rúbia continua entregue aos seus afazeres, áquilo que tem vindo a inventar para não enlouquecer de tédio. Dentro de alguns dias irá pensar no acumular do tempo em que esta se mantém dentro da propriedade. O tempo não quis esperar pela Rúbia. Não aguentou que ela se decidisse em casar. Que insolência. Não há respeito por alguém tão nobre de espírito e linhagem? Rúbia olha. Mede as distâncias. Sente o silêncio. Inspira. Respira. Recomeça.
Quem vencerá esta batalha? O carvalho? a Rúbia? O vento? O calor? Aposto na natureza... Ou seremos nós, os vencedores?

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