A Senhora Rosa voou. Saiu
de um lugar para outro, pelas nuvens, pelo vento, pelo ar.
Abriu as suas asas e foi para a zona quente do mundo. Apontou para
onde o calor a chamava, qual ave migratória, em busca do sol
nascente. Levou com ela, a Senhora Rosa, os sonhos daqueles que
ficaram. É sempre assim para quem vê o rasto do caminho
a desenhar o seu trajeto. Sobretudo para aqueles que nunca tiveram a
sorte ou a coragem de sair do seu lugar encantado. Os voos alheios
enchem-nos de porquês e de desejos transformados na acção
dos outros. Os que fogem de casa, os que mudam de vida, de país,
todos eles enchem os nossos corações de imagens e
formas que nem sempre correspondem à realidade. Desses sonhos
chegam a nascer autênticas lendas vivas. Os mitos vêm das
vontades. A Senhora Rosa vai ao encontro do encontro. Leva uma mala
no porão, um livro na mão e uma flor no cabelo. Leva
uma vontade misturada de desejo e anseio, tristeza e alegria.
Cá em baixo vemos
um risco no céu e pensamo-lo cheio de cores e sabores de
outras regiões. Vemos o sol mais próximo desse mesmo
rasgo e achamos que por lá a vida é melhor, mais
quente, mais colorida.
Lá em cima a
Senhora Flor mexe no cabelo, contorce os dedos. Olha para o livro sem
o ver. Toca na flor que leva no cabelo. A ansiedade da partida, com
toda a rotina do despedimento, é substituída pela
mistura explosiva do reencontro, por parte daqueles que ansiosamente
a esperam. No meio fica o único momento em que se respira.
Momento esse que pode durar ou não. A ilusão da calma
paralisa-se no ínfimo instante que passa entre estes dois períodos, num misto de dor e de paz, ou melhor, paz entre as dores.
Nós, comuns
observadores temos uma visão que nos provoca inveja. Olhamos e
louvamos a ideia de viagem. Gostamos de nos despedir e fazer questão
de demonstrar um pesar pela importância da partida. A chegada,
essa tem igualmente sabor a braço de ferro vencido, que é
preciso marcar com urros e abraços. A festa é rija
quando se chega ao destino, trabalho hercúleo este.
Já para nós,
viajantes, é mais uma forma de sair de um lugar e chegar a
outro. Temos de levar com os festejos que nem sempre são o
resultado das nossas emoções. Um porto. Um destino
forçado por vezes. Uma lenda de vontade. Nem todas as viagens
são de lazer, de aventura, de paixão pelas imagens,
pelas fotos do mar e da praia. As colinas verdejantes não
nascem dos aeroportos. Nascem dos olhos de quem fica e vê nos
aeroportos o caminho da vida selvagem.
Em breve o avião
prepara-se para pousar.
Tem calma Senhora Rosa. Respira fundo.
Aclara a garganta. Vai correr tudo bem. Deste lado alguém te
ama. E do outro também.
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