O Sr. Flores sente-se
vazio no meio do vazio. O nada no nada, o repetir no interior de uma partícula de si próprio, que, por mais pequena que lhe
semelhe, acaba ser a maior de todas as não presenças do
seu ser. Sente o peso do invisível, a falta pela falta, o
desaparecimento pela ausência que se avizinha. É isso o
vazio. A ausência. A dor da falta de alguma coisa que até
podia ser aqui transparecida, mas não tiraria por isso o
sentido á sensação. O Sr. Flores sente uma bola
de sabão no lugar do estômago. Sente que pesa menos 10
quilos, O oposto dos abdominais. O Sr. Flores sente o os
"nãobdominais". O dia passa por ele como o vento
passa pelas montanhas. Apenas passa enquanto o seu olhar mantém-se
á velocidade cruzeiro de uma sombra. O movimento das ruas em
seu redor não se faz esperar. Os carros passam à mesma
velocidade estonteante, enquanto os transeuntes fazem o possível
para sentir que nada é em vão. Ao longe os semáforos
vão controlando os avanços e recuos da sociedade,
enquanto os negócios e outras amostras de trocas se preparam
para enfrentar o dia. O Sr. Flores passa por eles, qual espectro,
qual sombra, qual torre do relógio que vê tudo sem se
manifestar, apenas manifestando a cor das suas janelas, indiferente a
quem nasça ou morra. O Sr. Flores sente o desaparecimento como
quem sente a faca a entrar pela garganta abaixo. Ele sofre o mal dos
males. Ele sente ausência.
O Sr. Flores não
é, no entanto um desgraçado, um triste, um sem sentido.
O Sr. Flores é um privilegiado. Só ele o sabe, só
ele o compreende, ele mais uns poucos neste mundo. Os loucos como ele
que enlouqueceram e que sentem a ausência da loucura. Aqueles
que escolheram repetir a felicidade milhares de vezes no seu
interior, desaparecendo a cada segundo multiplicado, voando desta
vida, tornando-se invisíveis aos olhos da camada rochosa do
nosso planeta,e das pessoas que o pisam, sem saber o que estão
a perder. A intensidade da contração muscular, a
pressão do puro prazer, o esforço que nos sai das
entranhas, tudo isso tem um lado B, aquele que nos retira parte dos
órgãos e nos deixam secos, encovados, á beira da
extinção. No entanto, prontos para reviver ao expoente
máximo tudo aquilo que nos abrigou da demência,
roçando-a com delícia. O Sr. Flores não é
de lamentar. O Sr. Flores encontrou aquilo que pensava não
existir. E recebeu-o de braços abertos, enquanto se foi desvairando até se desfazer no pó do universo. E o
Universo? Esse vai desfazê-lo sem dó nem piedade. Esse
vagabundo das estrelas vai desmontar toda e cada partícula do
Sr. Flores, numa vã tentativa de descobrir de onde vem o
prazer. Esse Universo vai atuar da forma que apenas ele sabe, não
pela força que nos traz a natureza, mas por inveja do Sr. Flores. Pura inveja caro Universo. As tuas estrelas todas juntas
não chegam aos calcanhares do vazio do Sr. Flores.
Embrulha.
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