quarta-feira, março 06, 2013

Fecha os olhos...


O cenário é uma estação de comboio. O cheiro é de metal e café. O frio também entra pelas narinas, queimando o asfalto do trato conforme vai passando. Se pararmos de respirar, a dor passa. O desconforto da rua passa a ser o desconforto do interior das carruagens. Metade das pessoas deste local vai para uma migração diária, aquela que os leva ao fim do mês, aquela que é feita por consciência, por obrigação, por tédio e ódio. Por resignação também. Por vezes chega-se a imaginar como teria sido a vida se fôssemos crianças todo o tempo. Como seria o tempo se não existisse ainda a maldade, se não deixássemos fugir esse sentimento e ficássemos agarrados às saias das nossas mães, o desejo de ter uma vida sem responsabilidades nem dores, um lugar próprio sem pressas. Por que raio vim aqui parar, porque está assim o meu destino, que fui eu fazer eu, mas que merda… As linhas sujas deixam passar o vento pela simetria. Sob os arcos, os comboios esperam a iniciativa, burros de carga sem emoção. Cá fora o movimento é constante, sobe, desce, entra, sai. Corre-se sem necessidade. Ainda não sai ninguém daqui. Algumas pessoas vão sumir-se, a partir deste ponto. A partir deste ponto começa um novo conto. Um conto que passa por lá. Um conto que inicia-se nas lágrimas de despedida numa fria e insensível estação de comboio. Malas e sacos, lágrimas e abraços. Famílias inteiras ou apenas o homem da casa, que se vai sem saber bem o que o espera no outro lado da esperança. Estação reles a da despedida, em que tantas vezes sonhei em não entrar. Estações de merda, aquelas que me fizeram sofrer quando era mais novo, criança ainda. Todas elas odeio-as. Recordações para esquecer um dia. Á volta dos comboios simula-se a vida. Vendem-se os jornais, prepara-se o pequeno-almoço, flores, mapas, material de viagem. Tudo misturado confunde e cansa só de olhar. Pede-se dinheiro emprestado, procura-se uma mala perdida. Guardamos as carteiras junto de nós em momentos de aflição. O medo investe sem armadura. Ganhar é perder. Perder-se nesta estação é o início do fim. Todos alerta. De repente ouve-se um grito de alegria. As pessoas encontram-se finalmente, passados tantos dias sem se verem. A estação também tem destas coisas de felicidade. O gelo desaparece por momentos. Abraços ofegantes e beijos e mais beijos. Sorrisos e lágrimas de felicidade. De braço dado, os amores agrupam-se e saem apressadamente deste local. O contacto físico fecha os nossos olhos até chegarmos a outro lado. O lado de fora. Fora desta estação, rumo á próxima viagem.