Entraram e saíram passadas
algumas horas. Não deixaram identificação. Pagaram a estadia e o champanhe. Check-in,
check-out e acabou. Não desfrutaram do pequeno-almoço, não foram á piscina, não
fizeram nenhuma massagem. Para eles foi apenas um quarto. Só mais um, como
tantos outros. Mais cedo um hóspede visivelmente alcoolizado tinha jurado ter
passado os melhores dias da vida dele. As férias resumiam-se a um ano de
trabalho concentrado nestes dias no mesmo hotel, num quarto igualzinho, com a
exceção de que seria um dos poucos momentos bons da vida dele, pelo menos
durante os próximos 365 dias. Este senhor tinha evidentemente trabalhado o
dobro antes de ir de férias, e o dobro iria ter de trabalhar para recuperar o
tempo de lazer. Levara os dias a jogar golfe durante o dia, e beber durante a
noite, terminando sempre no estado mais lastimoso possível. Conforme a estadia
se ia aproximando do fim, o nível de álcool no sangue ia aumentando, crispando
no seu rosto o recíproco aumento do mau estar, perante a imagem do regresso. No
piso acima um casal queixa-se do barulho dos vizinhos que conversam e vêm
televisão com o volume no máximo a noite toda. Este casal faz igualmente questão
do seu retiro no Algarve, desta feita mais vezes durante o ano. É o verão, o
carnaval a pascoa e o ano novo. Só o Natal, com muita pena, deve ser passado no
lugar de origem junto dos seus. Os vizinhos que vêm televisão já têm uma idade
avançada. O que acontece é que adormecem cedo e a televisão fica ligada a um
volume exagerado, volume esse que não os incomoda mais, primeiro porque se o
ouvissem até era mais uma companhia. Os ouvidos já não funcionam já há alguns
anos. O ritmo mantém-se porém. O hábito de ser humano leva-os ao mesmo hotel,
se possível ao mesmo quarto, ano após ano. O dinheiro entra exatamente na mesma
medida e é guardado com a mesma organização desde o primeiro dia que entraram
neste local. Não são férias, são recordações, são hábitos associados aquele de
acordar de manhã e tomar o pequeno-almoço á mesmíssima hora, com os mesmíssimos
ingredientes a cada ano que passa. A noite também passa e faço-me testemunha silenciosa
de tudo o que acontece por aqui. Hoje sou aquilo que se chama na gíria
hoteleira night, ou night auditor, ou auditor da noite, morcego para os
colegas, batman para o ego. Por mim passam corpos e sombras daquilo que eram
homens e mulheres de perfeita condição durante o dia. Rostos cansados,
alterados, zangados ou perdidos, perante o meu espaço. Sorrio e tento ser simpático,
enquanto me protejo de algum jeito mais maldoso que a noite por vezes trás. Estou
sozinho mas nunca me sinto só. Faço-me de forte quando faz falta, enquanto
tremo de ansiedade perante certas atitudes menos cordiais. Cada qual tem aquilo
que merece.