quarta-feira, maio 22, 2013

O Sr. Joaquim já esqueceu o seu monólogo

Domingo. 02h30.


Uma alimentação equilibrada! Precisas é de comer como deve ser! Assim tudo direitinho e com juizo… (isto de falar para dentro da nossa cabeça á fácil) E fazer exercício pelo menos três vezes por semana!

- Faz tu, pensa ele para com os seus neurónios…

O pior é quando da cabeça passa para a boca. Quando se começa a exprimir aquilo que o cérebro comanda, em palavras, aí é que começam os problemas. É que não há volta a dar. Há sempre alguém que ouve e que vai registar, para no fim jogar-mo à cara. Mas estes pensamentos também não ocorrem em todas as ocasiões. Este diálogo surge quando estou sem sono, a olhar para o teto … A minha Maria está a dormir e, pelo volume do ressonar, diria que no país das fadas, a festa é rija.

Domingo. 18h45.

O Sr. Joaquim já esqueceu o seu monólogo. Está unido ao sofá de sua sala. Este sofá é oficialmente seu. Lá em casa já se estabeleceram todas as regras e todos os territórios estão devidamente delimitados. Afinal de contas, 17 anos de casamento servem para retirar qualquer dúvida em relação aos pertences de cada um. Há coisas que se partilham, e há coisas que não se partilham. Aquele sofá é dele. A sua Maria, se precisar, tem um cadeirão que a satisfaz plenamente. É ele da mesma qualidade que o seu mestre, visto terem ambos sido adquiridos em conjunto, como mandava o folheto. Calma. Em relação aos pertences e não pertences, poderíamos dedicar uma vida aos detalhes, pelo que fiquemos por aqui. Fiquemos para já pela singela declaração que, naquela casa, o Sr. Joaquim é dono e rei de determinados artigos, tarefas e atitudes, enquanto a sua Maria é proprietária indiscutível de cantos, recantos e segredos mal disfarçados, altares e cúpulas de tudo o resto. O que nos interessa verdadeiramente é a relação entre aquilo que o Sr. Joaquim pensou com os seus neurónios durante a noite, e a pose de rei com que nos brinda (sim porque neste cenário, a nossa posição é de ver tudo sem sermos vistos). Comecemos por elucidar o seguinte: a relação de monopólio que existe entre o nosso herói e o seu pousio também tem a ver com um detalhe técnico, a relativa moldagem do sofá ao seu extremo, extremo esse que já ocupa um belo terço do espaço disponível. Da mesma forma, a curvatura, ou seja a relação cabeça-pés (se podemos chamar áqueles dois currais e os seus dez leitõezinhos - pés) não permite que se consiga uma postura de ângulo reto, sendo que as próprias costas do sofá ganharam uma inclinação do estilo personalizado. O problema também é a barriga, cujo inchaço permite-nos concluir que este homem estava destinado á hibernação, pelo que o seu corpo decidiu armazenar todo o material necessário a uns bons meses de sono. Ele sabe deste problema, mas porquê? Se estava de facto destinado á hibernação, porque raio não conseguiu ele dormir ontem? É simples a resposta Joaquim. Se eu pudesse contactar-te dir-te-ia que a resposta é mesmo muito simples. O facto de não conseguires hibernar é porque estamos… na primavera. Os ursos não dormem na primavera Joaquim…

Existe portanto um dilema que é o facto do mesmo cérebro que, durante a noite, lhe tinha recomendado uma vida acompanhada de água, sopa e fruta, é o mesmo que se congratula pela posição de regalo desfrutada desde as 11h30 da manhã, batata frita, cerveja, e quem sabe se não tenho uma bela surpresa daqui a pouco e a Maria encontra-me um resto de gelado que vou limpar diretamente da caixa á boca, sem passar pela colher. Mmmmmm … Um delírio.

Se o problema, do ponto de vista do Joaquim, é a barriga, os grandes culpados não passam nem por ele, nem pelo sofá, nem pelas batatas, nem pelo possível gelado, nem pela cerveja, nem pelo facto de estar na mesma posição desde que saiu da cama, nem pela sua Maria, nem nada disso… A grande culpada disto tudo é a televisão. É ela que não me deixa fazer nada. Ela sabe como prender-me ao meu umbigo. Ela canta-me canções e conta-me histórias que duram horas e horas, ela mostra-me anúncios de mais batatas, mais cerveja e mais gelados. Ela. Ela. Ela. Uma vadía.

(do sofá surge um urge)

- Mariaaaaaaa!!!! – vai lá ver se não há nada de doce no congelador.

( do quarto um piar com pieira)

- Não há! Comeste o resto ontem.

(a resposta não se faz demorar)

- Não comi tudo não! Vai láaa!!!

(ouve-se um arrastar de correntes, que é como quem diz que a sua Maria estava deitadinha a ler qualquer coisa rosa, e teve de rebolar dali para fora, que é como quem diz outra vez que do quarto á cozinha deve-se passar pela sala, logo teria sido mais fácil que o monstro das bolachas se tivesse dignado a mexer o rabinho, quebrando a corrente sofá-cú. Não vou tentar explicar, porque não há explicação possível, ou melhor, ela há, mas não me quero meter por estes enredos).

Passado uns minutos a sua Maria volta com uma caixa semi-leve de gelado de chocolate com pepitas de chocolate e natas.

- Bem te disse que não tinha comido tudo…

- Toma lá essa merda. E sabes perfeitamente que não me chamo Maria…