domingo, maio 06, 2007
Primeiro o silêncio
Silêncio. Primeiro o silêncio e só passado algum tempo uma sonoridade que nos chega devagar, com suavidade e bastante longe, como uma recordação. Som de violinos, tubas e clarinetes, bem mais próximos, respeitam o equilíbrio da balança, enquanto a cena nos atinge os olhos. É sinal de que, apesar de tudo, todos os males sem remédios, todas as apoquentações sem resolução, acabam sempre porque no fundo nu fundo, está tudo bem. Sempre o esteve, e irá manter-se assim, simplesmente porque não há volta a dar. Por mais que nos doa, por mais que faltem pessoas à nossa volta, por mais que nos façam falta, não há nada a fazer, é assim mesmo, a vida continua. E está tudo bem. Juntam-se os que sobram e os que vão aparecendo. Juntam-se aqueles que podem e a alma de quem não está junta-se com eles. É assim. Um dia alguém irá desligar-nos da consola. Chegaremos ao fim do jogo e poderemos passar a outra coisa. Até lá só nos resta fazer o melhor que podemos, neste sorteio que é a vida. Silêncio. Sonoridade suave, explosão de prazer, explosão de dissabores, explosão de vida. O equilíbrio do desequilíbrio. A felicidade na confusão. O caos da ordem. Assim temos de seguir em frente, custe o que custar. A pausa que reflecte o virar da página. A orquestra torna a acordar.
Eis que chega a manhã. Soleira sonora, novo espaço limpo e pronto para uma nova frente. Recomeça o burburinho, ao que se segue o som, este majestoso e real. O movimento que representa a prova da existência de milhares de pensamentos e ideias que se comovem e apressam pelas ruas da cidade. Desta vez encontramo-nos num local sem grande confusão, a não ser da paz do vaguear pela avenida que se estende junto do oceano, com calma. Não sei se o beijo que nos dás é uma bênção ou uma cruz que representa o teu estado de latência invencível. Sempre lá, perto de nós, a oferecer-nos a tua imortal mortalidade. A tua água já viajou o mundo, as tuas ondas provam-nos o quanto o nosso jogo é tão fútil. Só o nosso pensamento consegue suplantar o teu poder, o espaço é todo teu, mas, tudo aquilo que preenche o espaço, esse sim cabe nas almas de cada uma destas pessoas que passeia pelas margens desta cidade limitada pela areia do teu mar. A orquestra parece completa. No entanto ouvimos do fundo do nada, o clarinete da inconstância.
A sua alma está em desencontro. Toda a sua vida tem sido uma luta entre independência e a “descompreensão” do mundo que a rodeia, da sociedade. A isto chamamos adolescência, mais parece no entanto que adolescência dela sempre existiu, desde o dia que pôs os pés no mundo, desde o primeiro grito de inconformismo. Tem cuidado, põe-te em guarda, toma atenção ao que fazes. Ou melhor, fá-lo sim e boa sorte. Melhor assim. Venha o que vier, desvia-te se conseguires. Somos todos invencíveis até que ficamos mais velhos, e, se lá chegarmos, passamos a ter medo de tudo, e a depender da mínima brisa matinal, o vento já não é aquele que nos guia, mas sim aquele que serve de dínamo ao nosso desgosto preocupativo. Só o saberemos depois de chegarmos, e nunca no dia em que no-lo disseram. Depois sim, olhamos para trás e pensamos que devíamos ter ouvido aquilo que nunca quisemos ouvir, naquele tempo em que éramos invencíveis. O melhor seria se nos tivessem antes dito, “hás de lá chegar, a tua vez há de vir”. Pelo menos passaríamos mais tempo a olhar por cima do nosso ombro. Pelo menos isso…
P.S: Nem tudo são espinhos e gosto de inventar palavras.
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