terça-feira, agosto 29, 2006
Realidades Alternativas - Parte II - Um dia a casa veio abaixo
Um dia igual a tantos outros, Portugal estava acordado. O céu aparecia desimpedido de nuvens, enquanto o sol surgia em todo o seu esplendor, no altar dos céus. A manhã anunciava-se maravilhosa, o calor fazendo-se sentir bem cedo. No entanto algo estava a mudar, ou melhor, o espaço e o tempo tinham literalmente tomado um rumo bem diferente do habitual. Nos cafés o som dos rádios, não se fazia sentir, nem as televisões estavam ligadas. Os quiosques estavam vazios de gente, com os jornais intocados nas prateleiras. Era estranho tal indício mas não parecia que alguém tivesse dado ainda a importância necessária a tal facto. Aquele dia estava mais silencioso do que o normal. Aos poucos sentia-se como se o silêncio se tornasse num zumbido ao qual não se estava acostumado. Caminhando em direcção às zonas de maior afluência de trânsito, as pessoas iam começando a dar início aos percursos que as levavam aos seus locais de trabalho, escolas, e muitos outros destinos que fazem esta cidade colorir-se nos tons mais variados, com gente a acordar, a chegar, a agradecer, a pedir informações. Gente com pastas e malas, mochilas e mapas, sorridentes e angustiadas, rostos felizes, convencidos, conformados com o seu destino, talvez eu, talvez tu, todos nós, juntos ou enquadrados numa multidão solitária e indiferente. Algo estava diferente, no entanto. Os cartazes pareciam menos apelativos. Já não brilhavam as estrelas dos reality shows. Os títulos dos jornais não pareciam atrair as atenções, com os seus anúncios tendenciosos e as suas exclamações sem conteúdo algum. As revistas cor-de-rosa não rodavam de mão em mão nos autocarros, nem nas salas de espera. Os painéis publicitários não eram comentados, nem para o mal, nem para o bem. Com o passar dos dias, tal silêncio começou a sentir-se com mais força. Não tardou, muito para que as estações televisivas começassem a carregar o peso da indiferença que se estava a sentir a nível das audiências. Os programas não conseguiam transmitir interesse, os números eram irrisórios, a publicidade não parava mais ninguém. Aconteceu de um dia para o outro mas durou o suficiente para extinguir tudo aquilo que já não “interessava”. Os chamados programas de entretenimento desapareceram, tudo aquilo que tinha o carimbo de cor-de-rosa viu dias negros e foi-se. Começou com os patrocinadores a recusarem perder dinheiro, e de repente as pessoas que já não “interessavam” passaram a ser totalmente ignoradas. Houve despedimentos sem aviso. Os novos pobres tiveram de passar a explorar qualquer capacidade que não possuíam para poder sobreviver, sentindo-se por isso humilhados e derrotados. O corpo era o que mais vendia, desta vez direcionado para as sombrias ruas ou nos cantos mais escuros das cidades, ao invés das capas das revistas. As empresas discográficas deixaram de produzir aquilo que tanto tempo levaram a publicitar. Os antigos sucessos eram agora faces de uma moeda desvalorizada, que as mesmas editoras tentavam agora encobrir, algo que nunca devia ter acontecido, um erro lançar esta gente sem inteligência, pedimos desculpa mas nunca mais torna a acontecer. O mesmo se passava com os locais que costumavam estar na chamada berra. As estações de rádio tiveram o mesmo tratamento. Tudo aquilo que não passava de meras imitações, clichés ou repetições dos êxitos de algum outro tempo, tudo isto era simplesmente excluído do modo de vida das pessoas. As emissões passaram a ser suprimidas, eliminadas, e gente que se achava no auge da sua carreira esquecida para nunca mais voltar. Durante certo tempo o pânico foi em grande escala para tudo o que vivia da fantasia simplista das massas. Não se conseguia compreender como era possível algo do género ter acontecido. Teria o povo enlouquecido? Porque razão teriam estas as pessoas, decidido ignorar tudo aquilo que as tinha tornado felizes até então? O pior é que por mais que se tentasse reanimar a velha chama da ingenuidade popular, parecia antes que, do nada, as pessoas tinham simplesmente decidido não querer mais. Não tinha havido nenhuma manifestação, nenhum panfleto a passar pelas pessoas, nada. Tudo aquilo que provocara uma satisfação a curto prazo tinha sido simplesmente extinguido da alma das gentes, em prol de um prazer a longo prazo, mais esclarecedor, uma satisfação que vinha sim do enriquecimento da mente, um prazer vindo da sapiência.
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