O sol passou a sua luz
pela densa humidade, dividindo-se pelas sete cores que compõe
a luz branca. Luz. Branca. Sete Cores.
Cá em baixo, a
Senhora Íris já se apercebeu do fenómeno. Olha
sem ver. Pensa que se sente só. Sente-se só apesar dos
gritos que vão ecoando da sala. O resto da família
discute, entrando no espaço pessoal de cada um, até
faiscar. Se é que exista tal coisa, numa família, como
um espaço pessoal assim tão grande. Afinal, família
é sinal de espaço de manobra limitado, partilhado por
todos e em todos. Quando as coisas vão mal a ofensa entra
forte, a chamada baixaria está de serviço, até
mesmo no interior de uma família.
A Senhora Íris não
tem esse direito sequer. Não se pode dar ao luxo de opinar
sobretudo durante uma guerra. Tem o direito a ter a mesa pronta para
todos comerem, tem o direito de ter a casa limpa e arrumada, pode até
ser criada de todos, e ver a novela na televisão da cozinha.
Na sala todos querem ter
razão. O chefe de família á beira da reforma, os
dois filhos desempregados, as respetivas esposas, uma criança.
Todos lá moram. Todos lá comem. Todos esperam ser
servidos. Todos acham que são os maiores, que têm sempre
razão, não têm culpa em não ter nada, têm
razão em merecer apoios, têm a obrigação
de palmadas nas costas, de empatia, de mérito. Só
ninguém consegue explicar porquê. Então culpa-se
o próximo e alimentamo-nos dessa mesma culpa. Mais cedo ou
mais tarde, o próximo estará mesmo ao nosso lado, e
conhecendo-nos tão bem como o conhecemos a ele.
A senhora Íris
congelou o olhar no topo do edifício oposto, junto da linha
que o une ao céu. Mesmo por baixo do arco-íris. Daí
sonha com outros lugares e aguarda a sua vez, a sua vez de voar, como
o azul do céu que tudo explora, tudo conhece, a sua vez de ver
coisas novas, gente nova com sorrisos em vez de opiniões…
Assim vai pensando, até quando, um dia, será que
amanhã, será que para a semana? Até quando?
Então Senhora Íris, não sabes que vais sonhando
apenas até chegar a hora em que terás de levantar a
mesa? Afinal como não possuis os estudos dos outros, é
natural que te caibam essas tarefas, tantas vezes to disseram as tuas
noras. Elas sim estudaram e merecem um estatuto ao seu nível.
Um trabalho ao seu nível. Um salário estrondosamente
válido para as suas capacidades. Tudo aquilo que não se
enquadrar nestes parâmetros não serve. Ela gostava que
lhe dissessem outras coisas. Poderiam conversar com ela um bocadinho.
Gostava que lhe dissessem qualquer coisa de bonito. Só de vez
em quando. Era simpático da parte de todos deles. Coitados.
Não estão para isso. Este país não ajuda
ninguém. Coitados dos meus filhos, dias a fio sentados a olhar
um pró outro, lá na sala… E a criança, o que
vai ser dela? O pior, Senhora Íris, o mal é seres uma
querida. É tentares agradar. É fazeres tudo por amor.
Neste caso Senhora Íris, o amor não ajuda…
No edifício onde
ela pousa o olhar encontram-se várias janelas com as suas
persianas abertas. Também aí há gente à
mesa. Também aí vivem famílias. Por vezes
consegue vislumbrar um vulto a passar por uma dessas janelas, e logo
inventa um cenário, uma telenovela, uma história. Hoje
sente-se um pouco só. Falta-lhe a coragem para inventar seja o
que for...
5-4-3-2-1... descida
abrupta à terra....
- Mãe!!! A sério
que é isto que queres que a gente coma?
Bruno, já percebi porque não dormes...
ResponderEliminarSobretudo nos dias de inspiração. Foi um dia m grande!