sexta-feira, junho 28, 2013

Somewhere under the rainbow



O sol passou a sua luz pela densa humidade, dividindo-se pelas sete cores que compõe a luz branca. Luz. Branca. Sete Cores.
Cá em baixo, a Senhora Íris já se apercebeu do fenómeno. Olha sem ver. Pensa que se sente só. Sente-se só apesar dos gritos que vão ecoando da sala. O resto da família discute, entrando no espaço pessoal de cada um, até faiscar. Se é que exista tal coisa, numa família, como um espaço pessoal assim tão grande. Afinal, família é sinal de espaço de manobra limitado, partilhado por todos e em todos. Quando as coisas vão mal a ofensa entra forte, a chamada baixaria está de serviço, até mesmo no interior de uma família.
A Senhora Íris não tem esse direito sequer. Não se pode dar ao luxo de opinar sobretudo durante uma guerra. Tem o direito a ter a mesa pronta para todos comerem, tem o direito de ter a casa limpa e arrumada, pode até ser criada de todos, e ver a novela na televisão da cozinha.
Na sala todos querem ter razão. O chefe de família á beira da reforma, os dois filhos desempregados, as respetivas esposas, uma criança. Todos lá moram. Todos lá comem. Todos esperam ser servidos. Todos acham que são os maiores, que têm sempre razão, não têm culpa em não ter nada, têm razão em merecer apoios, têm a obrigação de palmadas nas costas, de empatia, de mérito. Só ninguém consegue explicar porquê. Então culpa-se o próximo e alimentamo-nos dessa mesma culpa. Mais cedo ou mais tarde, o próximo estará mesmo ao nosso lado, e conhecendo-nos tão bem como o conhecemos a ele.
A senhora Íris congelou o olhar no topo do edifício oposto, junto da linha que o une ao céu. Mesmo por baixo do arco-íris. Daí sonha com outros lugares e aguarda a sua vez, a sua vez de voar, como o azul do céu que tudo explora, tudo conhece, a sua vez de ver coisas novas, gente nova com sorrisos em vez de opiniões… Assim vai pensando, até quando, um dia, será que amanhã, será que para a semana? Até quando? Então Senhora Íris, não sabes que vais sonhando apenas até chegar a hora em que terás de levantar a mesa? Afinal como não possuis os estudos dos outros, é natural que te caibam essas tarefas, tantas vezes to disseram as tuas noras. Elas sim estudaram e merecem um estatuto ao seu nível. Um trabalho ao seu nível. Um salário estrondosamente válido para as suas capacidades. Tudo aquilo que não se enquadrar nestes parâmetros não serve. Ela gostava que lhe dissessem outras coisas. Poderiam conversar com ela um bocadinho. Gostava que lhe dissessem qualquer coisa de bonito. Só de vez em quando. Era simpático da parte de todos deles. Coitados. Não estão para isso. Este país não ajuda ninguém. Coitados dos meus filhos, dias a fio sentados a olhar um pró outro, lá na sala… E a criança, o que vai ser dela? O pior, Senhora Íris, o mal é seres uma querida. É tentares agradar. É fazeres tudo por amor. Neste caso Senhora Íris, o amor não ajuda…
No edifício onde ela pousa o olhar encontram-se várias janelas com as suas persianas abertas. Também aí há gente à mesa. Também aí vivem famílias. Por vezes consegue vislumbrar um vulto a passar por uma dessas janelas, e logo inventa um cenário, uma telenovela, uma história. Hoje sente-se um pouco só. Falta-lhe a coragem para inventar seja o que for...

5-4-3-2-1... descida abrupta à terra....

- Mãe!!! A sério que é isto que queres que a gente coma?

1 comentário:

  1. Bruno, já percebi porque não dormes...
    Sobretudo nos dias de inspiração. Foi um dia m grande!

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