quinta-feira, junho 14, 2007

Chegou cheio de remendos...


Chegou-me aqui cheio de remendos na alma em forma de desculpas pela fraca qualidade do serviço prestado, e entre estas e outras perguntas sobre o mesmo trabalho que estava a realizar na nossa empresa, acabou por pedir-me se podia deixar o seu número de contacto, para o caso de termos alguma coisa para ele, alguma vaga que abrisse por cá, trabalhos de qualquer género, mais na área comercial. Sabendo que a área comercial é aquela mais em voga nestes últimos tempos, e sabendo igualmente que é das áreas mais agressivas, com as histórias das comissões e dos recibos verdes e tal, percebi que a coisa pelos seus lados não ia bem e que, mais cedo ou mais tarde, iria mesmo dar para o torto. Também reparei que este senhor já tinha uma idade algo avançada e, sem querer faltar ao respeito por ninguém, não o conseguia ver a aprender outro ofício que não o dele, noutro local com a qual nada tinha a ver, sobretudo num sítio como este em que falam-se as línguas todas excepto o português. O que vai ser dele quando os problemas começarem a bater-lhe à porta? Onde está a segurança que precisamos a esta altura da nossa vida? Para que raio serve trabalhar neste país? Porque razão devemos nós ser justos e honestos se é para chegarmos a este resultado? Possivelmente se este senhor tiver filhos, será esta a lição que lhes irá dar. Sinto que, mais cedo ou mais tarde algo vai acontecer a este país. Algo que não me parece que seja muito bom. Alguém vai passar-se da cabeça, qualquer dia o azedo de hoje vai saber a coisa boa amanhã. Vamos ter saudades dos velhos tempos em que estávamos em crise. O que mais me ofende é o facto de a maioria das pessoas, mesmo na sua própria miséria, continuarem a defenderem ideais que não passam de ver televisão o dia todo e viver para o clubinho de futebol. Pagamos para ver a bola como quem respira. Pagamos para que os morangos continuem mais 10 anos se for preciso. Pagamos ao Zé Paneleiro para fazer figuras tristes na televisão. Pagamos ao rico para aparecer com a sua conversa de merda de chanel aqui, e diamantes ali. Pagamos a estupidez para aparecer nas festas. Pagamos aquilo que deve ser desprezado. Temos orgulho quando deveríamos era ter vergonha. Temos sono em vez de alegria, temos fome de coscuvilhices em vez de fome de amor e felicidade. Somos felizes na nossa própria fome.
O tal senhor deve ter acabado o seu dia de trabalho e foi para casa. Deve se ter enfiado no sofá e ligado a televisão. Provavelmente pensou na vida, no buraco em que está prestes a estar enfiado, depois desligou a sua alma por um bocado e foi buscar uma bebida ao frigorífico. A sua mulher provavelmente estaria na cozinha a fazer o jantar. Olhou para ele e sorriu com carinho. Beijou-o e consolou o seu penar. Vai correr tudo bem querido, vais ver.

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