domingo, abril 29, 2007

Portugal dos pequeninos


Como quem não quer a coisa tentaram todos procurar ver o futuro novo habitante da aldeia. Os senhores juntaram-se no café, como quem não quer saber, jornal, tabaco e café, mas sempre de olhos no autocarro que ia descarregar o novo professor primário. As senhoras todas vizinhas umas das outras, como quem não quer a coisa, cochichavam entre elas, ansiosas por poder espreitar tal personagem. As raparigas, como quem não quer a coisa, olhavam-se ao espelho, só para confirmar que tudo estava nas suas devidas posições. Só as crianças, mais sinceras e directas, como quem não quer a coisa, imaginavam com alguma desconfiança, receando esta nova intrusão na sua vida. O representante da aldeia lá estava, junto com o Sr. Padre e o director da humilde escola, que em muitos pontos iria competir, qual futuro de todos os alunos, com os grandes estabelecimentos da cidade. Como quem não quer a coisa o autocarro chegou. E como não quer a coisa o professor lá desceu, meio aborrecido por ter literalmente caído de pára-quedas num local longe, calado e seco. No entanto sentiu uma ponta de orgulho. O ar era de cortar à faca, mas, afinal, era tudo por causa dele. Reparou nas senhoras, reparou nos senhores, nas crianças e nas meninas à porta de casa, e ao balcão das janelas. Pensou por isso que o melhor era demonstrar confiança, calma, e, de peito inchado, lá foi cumprimentando as autoridades locais. O “futuro” das gerações iriam passar por ele nos tempos que viriam, ao que era muito importante começar com o pé direito e todos os bla bla blas ao qual um representante de um local, seja ele qual for, tem a obrigação de explicar e exprimir. Ser professor é quase ser médico por estas bandas. É quase ser escritor, filósofo, psicólogo, pai, irmão, ser superior. Quase padre também, pois não podemos estar muito para lá da própria pureza, ou melhor, da integridade, e, por isso, nunca transparecer a atitude das coisas “feias” da vida. Aqui não. Ser solteiro por estas bandas é quase estar casado com os hábitos daquilo que existe a tão pequena escala, onde o ideal de beleza é o que aqui se encontra e nada mais. Um dia, quando chegar a informação, tudo isto irá ser reduzido à própria ignorância, aqui representada por uma aldeia afastada do principal, aquilo que tem verdadeira força, o movimento, o burburinho infernal e tão bom da vida. Um dia irá chegar a informação e, depois de habituarmo-nos a ela, acabaremos por sentir saudades dos tempos em que tudo era simples, os professores ainda eram considerados gente, os padres ainda respeitados e nunca confundidos com todos os outros que passam por nós evangelizando várias versões da mesma coisa, comprometendo a sua própria existência. Um dia, os representantes dos lugares foram isso mesmo, transportadores dos problemas e simples vizinhos das pessoas, com casas e familiares sempre por perto de quem gosta de ir ao café, ou de ler o jornal.
Um dia teremos saudades do tempo em que não éramos conhecidos dos outros, apenas de nós próprios …
O que é que tem o Barnabé, que é diferente dos outros? É o facto de ser o nosso Barnabé. Por enquanto…

2 comentários:

  1. Um bom texo. Gostei do blog. Parabéns. Voltarei sempre que possível, ainda que não comente por preguiça.

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  2. Muito Obrigado, também gosto muito dos abafos e desabafos. Visito-os todos os dias. Parabéns.

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