Encostei-me ás emissões de rádio. Deixei-me embalar pelas conversas, anúncios e canções. Ouvi os comentários, as críticas, os ensaios, os poemas, fugi dos anglicismos e americanismos que optam por nos lavarem o cérebro até à exaustão, com temas débeis de sentido, vazios, sem alma. Preferi as divagações complicadas dos nossos comentadores, as frases ensaiadas, cheias de analogias e sentidos turvos de duplicidade, o pavoneio dos líderes sem razão, os queixumes dos desgraçados, as lutas sem fim, as opiniões, os insultos, que definem verdadeiramente as cores das nossas vidas…
Muitas vezes revejo-me nos ódios de estimação, nos orgulhos que partilho com os outros, que falam por mim, me apoiam e me substituem na voz, na alma e no saber.
Desliguei a televisão porque senti que estava a precisar. O magnetismo é demasiado, e tentar desviar o olhar torna-se numa ansiedade sem sentido. Qualquer som obriga-nos a exigir a respectiva imagem, e quanto mais alto melhor. Em pouco tempo, de nada tornei-me num escravo televisivo sem necessidade. Na rádio, tal como num livro o esforço é maior, mas também o é a recompensa. A imaginação torna tudo muito mais aguerrido, mais solto, articulado, bivalente. Imagino alguém que os meus olhos nunca presenciaram, pela minha perspectiva, do meu ponto de vista. Escolho o tamanho, os traços, a importância, tomo as minhas próprias decisões. Recebo, mastigo e rejeito tudo aquilo que não me interessa. Sou quem sou e quem quero ser sem ser desviado para aquilo que alguém decidiu servir-me…
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