“Que ninguém fale mal do Buscarelli, o homem não tem culpa de nada! É tudo inveja dos outros clubes. Quando tiveram oportunidade de contratá-lo não quiseram e agora que é outra vez o goleador do campeonato e que a nossa equipa vai mais um ano em primeiro lugar, está tudo a querer atacá-lo!”. Deus dá nozes a quem tem dentes. O Sr. Flores só queria um autógrafo para acrescentar aos outros da sua colecção. Teria sido o mais valioso de todos, caso o tivesse conseguido. Em vez disso conseguiu partir três dentes e dois dedos da mão direita, sem contar com os demais mal tratos da equipa de segurança e da desmedida intervenção da polícia. Sim porque os três dentes, esses, foram o resultado do encontro com a claque, já os dedos vieram directamente da arrogância do grande Buscarelli, avançado dos avançados. Magnata Flores não tinha nada de magnata. Tinha antes uma mulher e um filho de quem gostava mesmo muito, e também uma outra paixão, por demais avassaladora, pelo seu clube e pelo seu segundo filho, que tinha visto crescer em todos os jornais e seguido os caminhos agora na sua equipa de coração, o mestre, o Busca como o chamavam os adeptos com carinho. Tinha planeado o fim-de-semana com cuidado para acompanhar a equipa ao estrangeiro, vê-la jogar, vê-la ganhar, conseguir o tão desejado autografo, e nada o faria mudar de ideias. Nem mesmo o facto do bilhete de avião, mais o alojamento e a entrada para o estádio, tudo isto ser dispendioso ao ponto de custar-lhe um mês e meio de trabalho, Magnata Flores era um homem simples, e nem mesmo se seu filho festejava o seu sétimo aniversário nesse dia, até porque a recordação do autógrafo depois da vitória no jogo de qualificação para as meias finais da Europa contra aquele clube inglês tão maior, juntamente com o bilhete que provava a sua presença no evento, iriam revelar-se algo de um valor incalculável.
A equipa acabou por não ganhar e o Sr. Flores não conseguiu o tal autógrafo à saída do estádio. Decidiu então tentar a sua pouca sorte no regresso a Portugal, junto à área da chegada do aeroporto. Estava esta apinhada de gente que aguardava a equipa. Porque também chegara de avião, conseguiu um lugar privilegiado perto da porta de desembarque. A zona não estava porém despovoada. A claque que tinha igualmente acompanhado a equipa encontrava-se no mesmo local, algo nervosa, reclamando pelo jogo, e pelo facto de se estarem a acumular pessoas nesse mesmo território que deveria ser apenas o deles. A tensão foi-se acumulando até que atingiu o seu ponto mais crítico quando o grupo de seguranças apareceu, seguido da direcção do clube, e finalmente a equipa. Empurrões e apupos, grupos enfurecidos devido ao resultado, outros no entanto de apoio incondicional à equipa, não temos medo de ninguém, etc e tal… Foi a esteas pessoas que o Sr. Flores se foi infiltrando. Quando Buscarelli, o grande, o magnífico, apareceu, a tensão subiu drasticamente, tanto nas críticas como no apoio. Este vinha acompanhado da sua comitiva de segurança privada, composta pomposamente por gigantes vestidos de preto e de ar muito ameaçador. O Sr. Flores engoliu em seco antes de decidir investir nessa direcção. Sentia-se algo seguro que o Busca não ia negar uma assinatura, sobretudo perante o grupo que estava ali para o apoiar. O que sucedeu seguidamente foi muito rápido. Flores alcança Buscarelli com papel e caneta na mão. Buscarelli tenta afastá-lo com um empurrão, Flores cai e o craque, com alguma maldade, pisa-o de forma destemida. Um segundo pontapé poderia ter lhe custado um traumatismo na face, não fosse um dos gigantes intrometer-se entre os dois, enquanto que outra torre de músculos o agarrava pelo colarinho, sem a mínima preocupação em fazê-lo com algum cuidado. Flores acabou por conseguir escapulir-se daquela situação toda deixando apenas o seu casaco nas mãos do segurança, já esquecido estava opapel e a caneta, aquilo que tivesse anteriormente nas mãos. Refugiar-se junto da claque foi pior ainda. Tomado como inimigo, foi mais uma vez agredido, desta vez atirado e pontapeado. A sua única defesa foi manter-se no chão e proteger a maior área possível do seu corpo. Agora fora a boca atingida, e partido o telemóvel. Finalmente a polícia conseguiu agarrá-lo e levá-lo para a sala de emergência do aeroporto. Foi acusado tentativa de agressão. Voltou para casa e meteu baixa por uns dias. Enfrentou a mulher e o filho como pôde. Evitou o assunto e os amigos.
Para Buscarelli e o resto da comitiva, foi mais um parvo que tentou atravessar-se no caminho. O problema foi resolvido em 15 segundos. E a história acabou por aí. Uma pessoa não são pessoas e as pessoas são o lucro desta empresa. Sobretudo os parvos.
“Que ninguém fale mal do Buscarelli!”
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