Mais um que se vai embora… Uma
mala em cada mão e lá vai ele a entrar no comboio com destino a Berlim. Sem
planos concretos, despediu-se da família e dos amigos. A história repete-se
pela milésima vez, não é preciso estarmos aqui a prolongar-nos muito sobre o
assunto. Uma vida supostamente mais próspera é o que todos esperam nesta
estação. O maior. Sou o maior, pensa ele. Vou ser isto e aquilo. Vou trazer
isto e mais isto. Vou mostrar a todos que consigo. Estes pensamentos também são
sempre iguais. Os mesmos em todas as casas, aqueles que antecedem a partida. Os
dias e as semanas que antecedem a partida. A entrada no comboio, essa, dói que
se farta. A partida do comboio connosco lá dentro, essa, vai separar os homens
dos “outros”. Aí a minha vida, o que fui eu fazer… e agora para onde vou. Nem
sequer falo alemão… O que me deu para meter-me neste filme…
Uma das coisas que mais me chama
a atenção é o momento da despedida. Já tive os meus e sei o quanto custam.
Muita gente pode achar que é só uma sessão de choradeira mas não é. É uma dor
que não tem explicação, e que começa muito antes da dita data de partida. Há
quem engula a saliva durante semanas, com um nó na garganta, ao ponto de tremer
todo por dentro, apenas para evitar uma lagrimazinha… isto porque se sabe que,
se deixamos sair uma, se, por acaso, uma gotinha conseguir sair, então malta
preparem-se… É uma cascata de salitre, confissões e frustrações que tão
depressa ninguém se vai esquecer. Há quem não arrisque com receio de cancelar os
planos todos. Então é pelo melhor engolir, e engolir, e engolir mais uma vez,
ao risco de ter um ataque de nervos só para evitar a abertura dos canais.
A despedida na estação é o teste
derradeiro á nossa resistência, quem tiver nervos de aço que mande vir mais
dois. Normalmente poucos aguentam. Já vi desabafos acontecerem e acabarem á
bofetada, já assisti a homenagem a meter músicos á mistura. Já vi gente do
oriente com os seus cânticos, rodas e gritos de encorajamento, seguidos de
abraços e rodas cerimoniosas. É raro aquele que não explode.
É giro quando se apanha um
espertalhaço que resolveu não levar ninguém para a despedida, para evitar este
tipo de situações. Esse coitado há de chorar por causa de ver os outros, e
depois arrepende-se e começa a querer ligar a toda a gente. Na altura em que
viajava com os meus pais não haviam telemóveis, nem tantas formas de contacto
como agora, o que tornava essa situação mais aflitiva ainda. O amigo
espertalhaço passava então por uma agonia tal que era pior que se tivesse
trazido a cidade toda para a despedida. O coitado em vez de explodir, implodia
e nesse caso, as marcas são muito mais profundas. E as figurinhas tristes
também. Uma festa.
Hoje, sei que é feio mas vou aqui
admiti-lo publicamente, sempre que vou viajar, seja de que meio de transporte
for, procuro sempre o meu amigo Tarzan, ou o Super-Homem de serviço, aquele que
vai passar de herói a florzinha de estufa, acabando derrotadamente sentado no
lugar que o destino escolheu para ele, a fungar do nariz e a babar-se…Eu sei
que é maldade da minha parte, eu sei…
Talvez seja porque, quando me calhou
a mim, e não foram poucas as vezes que tive de me despedir, quando era ainda
uma criança, já acordava a chorar, saia de casa a chorar, entrava na estação a
chorar, sentava-me no lugar que me estava destinado no comboio, avião ou carro a
chorar, e lá acabava por adormecer aos soluços encostado á minha mãe, para
acordar algures, horas e quilómetros mais tarde…